Parece haver uma muralha de dúvidas entre religião e valores éticos, que nos coloca em rota confusa sobre o que é certo e errado. Os princípios e valores éticos incutidos no ser humano variam em função das oportunidades de vida de cada um e do meio em que estão inseridos. A busca do conhecimento da verdade se distorce, pois os valores pessoais adquirem força de absolutismo, criticando e fazendo autocensura em determinadas decisões pessoais.
O que é certo e o que é errado torna-se uma questão que forja comportamentos falsos, que não satisfazem o ser humano e desenvolvem práticas marcadas pela intolerância, com julgamentos sem o completo conhecimento dos fatos. Rotulamos as pessoas e as criticamos, exigindo penalidades, ou fazemos piadas e fofocas, não percebendo que isso é para alimentar nosso ego, que está cheio de falhas e inseguro sobre o certo e o errado.
Precipitadamente aceitamos que a moral e os valores sociais se baseiem simplesmente na maneira como elas são, ou melhor, como achamos que elas são. Acreditar que haja uma única e correta maneira de como as coisas são inviabiliza as alternativas de descobertas e conhecimentos, pois ficam estanques e absolutos, como a consideração de que a Terra era o centro do universo ou que o homem é a imagem de Deus. Presunção narcísica, pela falta de conhecimento e de humildade para entender que não sabemos o que é verdade, mas bloqueamos a possiblidade de descobertas mais lógicas e que estamos em constante mudança.
Na história da humanidade, o desenvolvimento social e econômico vem sempre após um desastre, como foi a Segunda Guerra Mundial (prefiro falar a última) que gerou a necessidade de mais tecnologia em todas as áreas da atividade humana, revelando 'verdades' que eram desconhecidas. Assim, hoje vivemos verdades que poderão ser mutáveis amanhã e só avançaremos se formos abertos a mudanças, para reconhecer que o que sabemos e dominamos é muito pouco, praticamente nada sabemos do porquê tudo isso. O ser humano pode ser considerado como um animal gregário, que raciocina e é movido por uma energia da qual não conhecemos a fonte, sempre em busca do prazer e do poder, visando a satisfação do ego. Desenvolvemos senso de padrões pessoais por intuição, desde que nos favoreça, enfatizamos, e recompensamos a reciprocidade e cooperação, atenuando e punindo o egoísmo excessivo e a falta de limites. Essas atitudes e pensamentos produzem sentimentos como a raiva, indignação ou fraternidade e, ao mesmo tempo, agressividade.
Dizer 'obrigado', quando recebemos algo, nos colocar no lugar dos outros para tentar entender o que pensam, pode resultar em gratidão, compaixão e generosidade: faz bem não apenas para quem recebe, mas para aqueles que praticam essas virtudes. E isso vale para as mais variadas culturas. O que acontece quando o direito de uns esbarra no direito dos outros? Fazer uma deliciosa churrascada é motivo de festa e alegria, é certo, nas confraternizações em nosso país, mas, e na Índia, onde a vaca é sagrada? Quem está certo e quem está errado?
Temos intuições morais automáticas, mas só as expomos depois de algum fato emergir, pois as nossas percepções nos enganam e, muitas vezes, o raciocínio causal não passa de justificativa falaciosa de uma suposição. Viemos num processo de mutação social e econômica de tempos em tempos, mas não temos certeza de que as respostas estão certas. Viver e deixar viver pode ser uma estratégia sábia para diminuir os conflitos, mas só se aplica quando os desafios não são muito grandes ou as consequências de nosso comportamento, incertas.
Passamos a infância aprendendo que temos que ser bons, corretos, falar sempre a verdade, etc., mas nem mesmo quem nos passa essas lições consegue ser bom o tempo todo e evitar algumas mentirinhas... Com isso, vivemos em uma sociedade repleta de pessoas que se cobram o tempo todo, que se culpam por não serem boas o bastante; pessoas que se cobram ser nada menos que perfeitas (profissionais, filhos, pais, maridos e esposas perfeitos)... Pessoas que sofrem e se punem, pessoas que não conseguem falar “não” com medo de desagradar os outros.
Na TV, moças desnudas, cenas picantes, prolixidade, agressividade e romances héteros e homossexualizados, tudo isso na presença de crianças, mas ainda vivemos em um mundo onde os pais sentem-se constrangidos em falar de sexo com os filhos. Hoje temos adolescentes com muita liberdade e sem saber como viver de forma equilibrada e positiva, talvez pelas repressões, talvez pela falta de informação, gerando adultos perdidos em meio a isso tudo. Caminhamos para a criação de pessoas confusas e em constante conflito. As mudanças em nossa sociedade acontecem de forma rápida, o volume de informação aumenta num ritmo alucinante, que mal conseguimos acompanhar, e os valores sociais entram em disputa direta com as novas tecnologias e abordagens. Enquanto tentamos ser melhores ou iguais aos outros, deixamos de ser o melhor que podemos ser e sofremos, quando poderíamos viver de forma mais equilibrada e feliz. Tudo isso na dúvida do que é certo ou errado.
100% humano.
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Diversos 24/08